Passará das 22h de segunda-feira, dia 12, quando o Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela entrará na Marquês de Sapucaí. Durante pouco mais de uma hora, a escola – a mais antiga em atividade permanente no Rio de Janeiro – apresentará na passarela do samba, além de seus adereços, sambistas e carros alegóricos, uma verdadeira aula de história: a que conta a saga de imigrantes judeus que fugiram da Europa no século 17, desembarcaram no Nordeste brasileiro e tiveram papel fundamental na formação da cidade de Nova York.
E uma das principais fontes de inspiração para o enredo escolhido pela carnavalesca Rosa Magalhães foi o livro Caminhos Cruzados – A Vitoriosa Saga dos Judeus do Recife, da Expulsão da Espanha à Fundação de Nova York (Haikai Editora, 164 páginas, R$ 42, em média), do jornalista Paulo Carneiro.
O escritor, que trabalhou durante 16 anos no Diário, diz que a ideia da obra foi desvendar o ‘mito’ de que judeus que passaram pelo Nordeste fundaram Nova York. “Sou do Recife e todo pernambucano cresce com a lenda de que foram os judeus expulsos de Pernambuco em 1654 que fundaram Nova York. Ouvimos isso com um tom de brincadeira. Quando comecei a escrever sobre isso percebi que sou descendente desses judeus. Na época da expulsão, a maioria foi embora, mas muitos se embrenharam pelo sertão. A minha família paterna ficou perto de Garanhuns, em Quipapá, e a materna em São João do Cariri, no Interior da Paraíba. Escrevi com uma coisa mais emocionada, mas ficou realista.”
Durante dois anos de pesquisa, o jornalista apurou que, na verdade, os judeus não fundaram Nova York, mas participaram da construção dela. É que, fugidos da inquisição na Europa, eles vieram para Recife com os holandeses, onde ficaram durante 24 anos e, com a reconquista do Estado pelos portugueses, em 1654, tiveram três meses para tomar outro rumo.
Uns voltaram para Holanda, outros se embrenharam pelo Brasil – a exemplo dos antepassados de Carneiro –, e um terceiro grupo, de 23 refugiados, foi parar em Nova Amsterdã, na Foz do Rio Hudson, nos Estados Unidos, que tempos depois ganhou o nome de Nova York.
A história chamou a atenção da carnavalesca Rosa Magalhães, que ganhou o livro de Carneiro – um dos 100 exemplares que foram vendidos na Livraria Travessa, no Rio – de um amigo. “É uma história inusitada, que as pessoas não conhecem, além de ser muito atual, por conta dessa coisa da imigração”, diz a carnavalesca, que substituiu Paulo Barros após a conquista do título pela Portela no Carnaval do ano passado.
E este, para Carneiro, é o ponto alto do enredo, o qual ele jamais sonhou em participar: chamar atenção para a importância da harmonia entre os povos. “O enredo pegou a crise migratória que existe hoje no mundo, as pessoas que são expulsas de sua terra, e se mostra contra isso. Defende a paz entre os povos e faz as pessoas refletirem sobre os imigrantes.”
Ele se sente gratificado por participar disso e de contar essa parte da história até então desconhecida pela maioria das pessoas em uma festa de clamor popular. “O desafio que temos aí é não deixar no folclore. Tem de levar isso adiante, ter uma análise profunda sobre esse período importante da história e tirar suas lições.”
E a escola de Madureira deve levar novamente o título? “A Portela tem tudo para ser campeã. O samba é muito bom (confira a letra no quadro abaixo), empolgante, chama atenção, mexe com a gente. Somos seres humanos, temos o mesmo destino, o mesmo pai e devemos lutar por essa irmandade, sem qualquer diferença.” A águia azul e branca dará, com certeza, o seu recado.
ENREDO
DE REPENTE DE LÁ PRA CÁ E DIRREPENTE DE CÁ PRA LÁ…
Vamos simbora povo vencedor
Contar a mesma história
Sou nordestino, estrangeiro, versador
Eh eh eh viola…
Vem do arrecife oio azul cabra da peste
No doce do meu agreste, querendo se lambuzar
Oi o mar maré de saudade, oi o mar
Pedindo paz a Javé, perseguido na fé
O imigrante veio trabaiá
Oh saudade que vai na maré
Passa o tempo e não passa a dor
E um dia Pernambuco o português reconquistou
Luar do sertão, ilumina…
Pra quem deixou esse chão, triste sina
Ô cumpadi em seu peito leva um dó
Cada um em seu destino e a tristeza dá um nó (BIS)
Vixi Maria lá no meio do caminho
Tem pirata no navio
O pagamento não foi ouro nem foi prata
Essa gente aperriada foi, seguindo
Ô gira ciranda, vai a chuva vem o sol, deixa cirandar
Chega criança, homi, muié
No abraço dessa terra só não fica quem não quer (BIS)
É legado, é união, é presente, igualdade
É “Noviórque” pedestal da liberdade
A minha águia em poesia de cordel
22 vezes minha estrela lá no céu (BIS)
Lá vem Portela é melhor se segurar
Coração aberto quem quiser pode chegar (BIS)
Vem irmanar a vida inteira
Na campeã das campeãs em Madureira