Brechas na Ficha Limpa definirão futuro de Lula

A imprevisibilidade em torno da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência em outubro retomou o debate em torno da Lei da Ficha Limpa, alvo de questionamentos desde que entrou em vigor, em 2010. Brechas na legislação (sancionada pelo próprio ex-presidente) poderão abrir caminho para que o petista, líder nas recentes pesquisas de intenções de voto, concorra ao Palácio do Planalto neste ano.

O artigo 26-C da Ficha Limpa permite textualmente que a inelegibilidade – atingida uma vez que o candidato é condenado por órgão colegiado, como no caso de Lula – possa ser suspensa, desde que “expressamente requerida”. Ou seja, Lula conseguiria aparecer candidato se conseguisse liminar às vésperas do prazo para registro de sua candidatura, que garanta que sua condição de ser votado se mantenha preservada até que o processo seja transitado em julgado.

No Grande ABC não há exemplos de políticos que apelaram para esse mesmo dispositivo na Lei da Ficha Limpa para emplacar seus projetos eleitorais. O histórico de figuras que foram atingidas pela legislação ou que quase foram impedidas de concorrer não envolve processos criminais, mas remete majoritariamente a contas de gestão à frente de prefeituras e Câmaras que foram rejeitadas pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado).

Nas eleições de 2012, a primeira vez em que a Ficha Limpa foi aplicada, os então prefeituráveis Diniz Lopes (ex-PR, hoje PSB), de Mauá, Edinaldo de Menezes, o Dedé (PPS), de Ribeirão Pires, e Nilson do Mercado (PCdoB), de Rio Grande da Serra, foram barrados pela legislação. Diniz teve seus gastos à frente do Legislativo mauaense rejeitados, enquanto Dedé viu sua inelegibilidade ser estendida para oito anos – foi condenado por abuso do poder econômico. Já Nilson do Mercado havia sido condenado por vender em seu estabelecimento macarrão instantâneo vencido. Então prefeiturável em São Caetano, Regina Maura (ex-PTB, hoje PSDB) chegou a ter o registro indeferido, recorreu da decisão e conseguiu disputar o pleito, mas foi derrotada nas urnas.

Em 2016, a Ficha Limpa barrou o ingresso do nome de José Carlos Orosco Júnior (ex-MDB, atual PDT) na chapa vitoriosa do hoje prefeito Atila Jacomussi (PSB), que trocou o companheiro de legenda. Além disso, as rejeições às contas dos atuais prefeitos José Auricchio Júnior (PSDB, São Caetano) e Adler Kiko Teixeira (PSB, Ribeirão Pires) colocaram em xeque suas candidaturas. Ambos conseguiram liminar na Justiça comum, registraram suas candidaturas e venceram. Nos dois casos, estavam aptos a serem votados no momento do registro dos projetos. Foi o chamado retrato do momento.

MÉTODO DO TCE
Especialista em Direito Público e Eleitoral, Carlos Callado explicou que, nesses casos, as brechas não partiram da Ficha Limpa. “A Ficha Limpa é muito rigorosa. Nesses casos, o problema estava nos processos que originaram a inelegibilidade (pareceres do TCE), como cerceamento ao direito à ampla defesa, por exemplo. Mas esses impasses estão sendo sanados, porque o próprio TCE já modificou o método do julgamento das contas.”

Para Karina Kufa, coordenadora da especialização de Direito Eleitoral do IDP (Instituto de Direito Público) de São Paulo, o caso Lula impõe o debate sobre a constitucionalidade da Ficha Limpa. “A lei é inconstitucional, porque ela cria limitações exageradas (para permitir candidaturas). Proíbe a pessoa de lançar candidatura sem exercer todos os direitos. Alguns critérios estabelecidos na lei também são questionáveis, como tornar inelegível a pessoa que for expulsa da sua profissão pela entidade de classe”, analisa.

OUTROS CARGOS
Na disputa por vagas às Câmaras da região, a Lei da Ficha Limpa impediu a reeleição de vereadores com diversos mandatos, como Sargento Juliano (PSB), Montorinho (PT) e José de Araújo, de Santo André, que juntos somaram praticamente 13 mil votos em 2016.

Naquele mesmo ano, a então deputada estadual Vanessa Damo (ex-MDB, hoje sem partido), de Mauá, teve o mandato cassado após não conseguir reverter condenação do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) por crime eleitoral. Por conta da cassação, Vanessa, que havia disputado o pleito de 2012, sequer tentou registrar sua candidatura e decidiu apoiar Atila em 2016.

Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão em segunda instância, no dia 24, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro envolvendo um triplex do Guarujá, cuja titularidade é atribuída ao petista como forma de pagamento de propina. O ex-presidente havia sido condenado a nove anos e meio, em primeira instância, pelo juiz Sérgio Moro, do Paraná, responsável pelos processos da Operação Lava Jato.