A vez das diretoras

Alice Guy Blaché (1873-1968) começou como secretária na francesa Gaumont Film Company na década de 1890. Ao perceber a potência da indústria de ficção, pediu permissão para que, em suas horas livres, pudesse fazer sua obra. O patrão deixou. La Fée aux choux (A Fada do Repolho) foi o primeiro passo para que uma mulher virasse diretora e dona de companhia cinematográfica. No Brasil, Cléo de Verberena (1909-1972) foi a pioneira. Cléo, nome artístico de Jacira Martins Silveira, dirigiu, produziu e atuou em O Mistério do Dominó Preto, em 1931.

Corta para o Oscar 2018, cuja cerimônia vai ser realizada em 4 de março: Greta Gerwing, de Lady Bird, é só a quinta diretora indicada ao prêmio em 90 anos de história, que tem apenas uma vencedora até o momento: Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror, em 2010. Na categoria direção de fotografia deste ano, concorre Rachel Morrison, de Mudbound: Lágrimas sobre o Mississippi. Sofia Copola deixou sua marca no Festival de Cannes de 2017. Ela foi a segunda mulher na história do evento, que completou 70 anos, a vencer com O Estranho Que Nós Amamos. Antes, só a russa Yuliya Solntseva, em 1961, por A Epopéia dos Anos de Fogo.

Fato é que, nos últimos anos, as mulheres não só se aperfeiçoaram também na direção dos filmes, como estão conseguindo reconhecimento. Anna Muylaert é grande exemplo. Nome por trás dos premiados Que Horas Ela Volta? (2015) e Mãe Só Há Uma (2016), acredita que o momento é frutífero.

“Continuamos na luta para chamar a atenção não só para nosso trabalho, mas também ao fato de que o mercado sempre apostou – como escreveu Ava DuVernay (diretora norte-americana) no Twitter – na política de exclusão feminina. O natural sempre foi tratar a gente como café com leite, mas a qualidade do que estamos fazendo chegou a um ponto que isso tornou-se ‘insuportável’”, opina Anna ao Diário, ela que foi convidada para ingressar na Academia de Hollywood em 2016.

A diretora, que comanda o Mostra Cine-Delas no Canal Brasil (aos sábados, às 22h), acredita que, no geral, todos estão querendo falar sobre isso (o empoderamento feminino também nas produções cinematográficas), tocar no assunto. No programa, ela recebe colegas de profissão. “Já gravei a terceira temporada e tem sido espaço muito interessante sobre temas relacionados ao machismo. Percebo que da primeira temporada, em 2016, para essa, as mulheres avançaram no quesito consciência do tema.”

Entre os nomes que ela cita que mais se destacam estão Juliana Rojas, Carol Leone, Caru Alves de Souza, Paula Gomes entre as mais jovens, e Suzana Amaral, Ana Carolina, entre as antigas. Anna adianta que está empenhada em seu mais novo projeto, que está começando: o filme O Clube das Mulheres de Negócios, comédia que reflete sobre os estereótipos de gênero. “Pretendo rodar em 2019”, avisa.

Em 2016, nenhuma profissional negra dirigiu ou roteirizou um filme no Brasil 
Outro nome que também fez história no cinema e que deve se juntar ao pioneirismo de Alice Guy Blaché e Cléo de Verberena é Adélia Sampaio, 74 anos. Ela foi a primeira negra a dirigir um longa-metragem no Brasil: Amor Maldito, em 1984. A trama, para a época, foi ousada. Mostrava o relacionamento entre uma jovem executiva e filha de um pastor evangélico. Foi bem complicado, e continua sendo. A Ancine (Agência Nacional de Cinema) divulgou recente pesquisa que aponta para o saldo de nenhuma mulher negra na direção ou roteirização de um filme em 2016. Nenhuma. E olha que, no Brasil, são 50 milhões de mulheres negras.

“Se a questão da mulher é complicada, a questão da mulher negra é muito mais. Na verdade, as iniciativas de inclusão de vozes negras no cinema são recentes, mas já estão dando algum resultado. Agora temos que manter essas iniciativas até que os números sejam mais significativos”, torce Anna Muylaert.

Mariana França, 29 anos, de São Bernardo, faz parte das novas estatísticas. Aluna do CAV (Centro de Audiovisual), dirigiu – ao lado de Gildo Antonio – o documentário Clausura, que participou de mais de 20 festivais no Brasil e outros países, como Bélgica e Portugal. “Essas indicações (Oscar) mostram que o perfil da Academia está mudando a passos pequenos, mas isso não pode parar apenas nas grandes premiações. No Brasil, precisamos de espaço. Há muitas vitórias ainda a ser conquistadas para podermos dizer que, finalmente, o cinema é espaço democrático e de vozes distintas.”

Mariana cita alguns nomes que estão ganhando espaço no que ela chama de ‘cinema de guerrilha’, como Camila Gregório, diretora do curta Fervendo (2017), Paula Sacchetta, de Precisamos Falar do Assédio (2016) e Petra Costa, que assina Elena (2012) e Olmo e a Gaivota (2014)