Transformação

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) vai decidir se homens e mulheres transgêneros e travestis que desejem se candidatar poderão usar seus nomes sociais na inscrição de candidaturas, em vez de serem identificados pelo nome que consta no registro civil. Se assim definir, é possível que a Justiça Eleitoral ainda permita que essa parcela da população seja contabilizada nas cotas partidárias dos gêneros dos quais se identificam.

Isso significa que uma mulher trans (que nasceu biologicamente no corpo masculino, mas que se reconhece como mulher) seja incluída na reserva de candidaturas femininas e vice-versa (homem trans que nasceu com a anatomia sexual biológica feminina, mas que se identifica com o gênero masculino).

Atualmente, não existem regras especificas para pessoas trans no processo eleitoral. O que ocorre hoje é que, além de serem incluídas exatamente nos grupos dos quais não se identificam, essas pessoas usam seus nomes sociais apenas como apelido nas urnas e são obrigadas a revelar publicamente os nomes dados a elas no nascimento, gerando constrangimento para alguns.

Esse foi o caso da cabeleireira transexual Karen Marketty, de Santo André, que foi candidata a deputada federal pelo Psol, em 2010. No site do TSE, acessível por qualquer cidadão, seu nome “de menina”, como ela define, aparece ao lado do seu nome “de menino”. “Qual é o empecilho de usar o nosso nome (social)? É muito mais fácil ser eu, em qualquer lugar que eu esteja, com meu nome exatamente do jeito que eu sou e as pessoas reconhecerem isso sem nenhum paradigma, nenhum obstáculo, nenhum desconforto. Para mim não foi, mas para algumas pessoas é um desconforto”, conta Karen, que é militante do movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bisesxuais, Travestis, Transexuais e Transgênero) no Grande ABC. “Acho que se torna um contexto original, único. Eu sou Karen Marketty e tal pessoa é tal pessoa. Ela aparenta, tem a semelhança com seu nome.”

Para ela, a mudança traria mais igualdade na disputa política. “Somos todas minorias, tanto as mulheres (cisgênero – quando o sexo biológico coincide com o gênero que se identifica), como mulheres trans. Se você tem o nome masculino e é tratado como homem (sendo mulher trans), como você vai competir com os demais homens, que são muito mais? Então, se entrarmos nessa cota feminina, temos mais chances de sermos candidatas e nos eleger”, avalia.

O MPE (Ministério Público Eleitoral) já deu parecer favorável a essas mudanças, por entender que tal medida dá “tratamento digno a pessoas transexuais e travestis”. A ideia, segundo o MPE, é manter a obrigatoriedade de as pessoas trans apresentarem seus nomes contidos no registro civil, mas que esses dados sejam uma forma exclusiva de garantir o controle interno da Justiça Eleitoral e que não sejam divulgados ao público. “Seria um grande avanço para as candidatas e candidatos da população trans. Acho que vai ser uma ação muito significativa você ter um homem trans usando seu nome de gênero”, comenta Marcelo Gil, fundador e presidente da ONG ABCD’S (Ação Brotar pela Cidadania e Diversidade Sexual).

COMO COMEÇOU
Toda essa discussão foi levantada depois de uma consulta feita à Justiça Eleitoral pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN). A parlamentar questionou ao TSE como deve ser interpretado o termo “sexo” que consta na Lei de Eleições (número 9.504/1997), no trecho em que trata das cotas femininas e masculinas na formação de chapas eleitorais. Pela legislação, os partidos políticos ou as coligações devem reservar, no mínimo, 30% e, no máximo, 70%, das candidaturas para “cada sexo”. Essa cota foi criada, sobretudo, para assegurar mais espaço para as mulheres na política. O objetivo do questionamento feito pela senadora é deixar claro se a palavra “sexo” deve ser considerada como sexo biológico ou o gênero do qual a pessoa se identifica.

No caso do uso do nome social, a pergunta também remete à legislação eleitoral, no artigo que estabelece que o candidato deve “indicar seu nome completo” no registro da candidatura. Mas o nome social ou nome civil, questiona a consulta da parlamentar.

O TSE informou ao Diário que não tem previsão de quando vai analisar esses casos. A Justiça Eleitoral, porém, tem até o dia 5 de março para publicar as resoluções que vão reger o pleito de 2018. Qualquer mudança pode significar uma transformação nas regras eleitorais definitivamente. “Não adianta só a televisão mostrar (a vida das pessoas trans). A TV é um informativo para isso. As instituições públicas, educacionais também precisam abraçar a causa.”, confia Karen.