Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o carioca Marco Aurélio Mello tem “sérias dúvidas” sobre o resultado da intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. “Será que o Exército realmente vai solucionar a problemática da corrupção na polícia repressiva, que é a militar?”, questionou, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Mello credita a decisão federal não só à escalada da violência como também às ausências do prefeito Marcelo Crivella (PRB) e do governador Luiz Fernando Pezão (MDB). “O governador foi praticamente para um retiro”, criticou. E preferiu não avaliar o decreto presidencial. “Se é constitucional ou inconstitucional, não irei comentar. Talvez eu possa até julgar isso.”
O sr. considerou necessária a intervenção federal no Rio?
A situação do Rio de Janeiro se tornou realmente crítica em termos de Segurança Pública. Mas há outros problemas seriíssimos, como no Brasil inteiro. Saúde, educação, administração, mercado de trabalho, que tem uma oferta excessiva de mão de obra e escassez de emprego. O que precisamos conceber é que a intervenção é sempre uma medida extrema, e na maioria das vezes não é parcial, como foi. Agora vamos ver o resultado. Eu creio que é hora de fechar as fronteiras quanto à entrada de armas e tóxicos. Aí, sim, podemos ter a utilização das Forças Armadas e acionar, mais do que isso, a inteligência das forças repressivas, porque como está não se pode ficar. O Rio chegou a um estágio de insegurança que é desaconselhado no mundo inteiro. Isso é péssimo para o Brasil. Uma cidade vocacionada ao turismo, que é belíssima, mas que infelizmente deixa o turista sujeito à delinquência de toda ordem.
Alguma medida do governo federal deveria ter sido tomada mesmo, então?
Tinha. E nós tivemos o quadro agravado por dois fatores. Primeiro, o prefeito, aquele que deveria estar no Rio de Janeiro durante a festa típica – o carnaval -, viajou. E o governador foi praticamente para um retiro, uma cidade do interior (Pezão passou o carnaval em Piraí, sua cidade natal).
Essas ausências pesaram na decisão do governo?
Sem dúvida. Nada surge sem uma causa, e houve três. Delinquência ao ponto que chegou, com arrastões, violência de toda ordem, com morte de policiais. A viagem do prefeito e esse abandono ao município. E também o afastamento, muito embora geográfico, no Brasil mesmo, do governador Pezão. E a fala dele, quando verbalizou que não via mais solução, que não tinha como implementar medidas. Mas há o outro lado da balança, que é o desgaste que pode haver para o Exército brasileiro. E a esperança vã que se deu à sociedade. Será que o Exército realmente vai solucionar a problemática da corrupção na polícia repressiva, que é a militar? Será que vai solucionar o problema de tráfico de drogas? E, nas favelas, a disputa entre traficantes? Não sei. Eu tenho sérias dúvidas.
O senhor passou o carnaval no Rio. Sentiu aumento da violência em relação a anos passados?
Não, mas tomei cuidados. Abandonei o calçadão da praia, na Barra, e caminhei no condomínio. O carro particular é blindado, muito embora tenha vindo no da filha, que não é, para o Galeão, via Linha Amarela. Confio no anjo da guarda.
A decisão do governo no Rio pode fazer com que outros Estados peçam as mesmas providências do governo federal?
Pode, mas não é bom. O saneamento de início tem de ser interno, considerados os poderes do próprio Estado. Vejo com muita preocupação essa intervenção e receio, considerando o Exército brasileiro.
O sr. falou de desgaste do Exército. Em qual sentido?
Ele ir para rua, a população de bem acreditar que vai ter uma segurança maior em curto espaço de tempo, e não ter. Isso desgastará a imagem do Exército. Logicamente o Exército não existe para nos proporcionar segurança pública e interna. Existe para nos defender de uma agressão externa, por exemplo.
Há muitos indícios de envolvimento de representantes do Estado com o crime…
Essa promiscuidade é terrível, inimaginável. Agora, como consertar? O Exército concertará? Tenho sérias dúvidas. O que precisa é o saneamento com as forças internas do Estado. A intervenção é sempre a exceção.
O sr. acredita em melhora após dez meses de intervenção?
A sociedade não pode nutrir esperança de dias melhores imediatos. O trabalho é um pouco mais profundo. E passa pelo lado social, de viabilizar de alguma forma que jovens tenham oportunidade de trabalho.
O problema de segurança seria a ponta final dos outros problemas que o Estado enfrenta.
Nós vivenciamos tempos estranhos, não sabemos aonde vamos parar, isso em todos os setores da vida nacional. Agora é um problema que está muito enraizado no País inteiro. Precisa haver muita compenetração dos homens que aceitam o cargo público, e que se presume que queiram cargo público para servir, e não para se servirem do cargo público.
O general Braga Netto irá coordenar as forças de segurança, ainda não está certo como será efetivamente a atuação nas ruas.
Ele conhece porque participou de alguns auxílios para as forças repressivas. Conhece a situação do Rio, muito embora mineiro. É um homem que tem uma trajetória elogiável em termos de dedicação das Forças Armadas. Mas isso não é suficiente. O problema passa pelo aspecto social. Ver como se concerta esse contexto de absoluto desequilíbrio entre serviços essenciais, necessidades da população, entre mão de obra ofertada e empregos.
E sobre o decreto de intervenção, qual a sua opinião?
Quanto ao decreto em si, se é constitucional ou inconstitucional, não irei comentar. Talvez eu possa até julgar isso.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.