Conhecido como o berço da indústria automotiva no País, o Grande ABC passou por intenso processo de desindustrialização nos últimos 28 anos, conforme publicado pelo Diário no último domingo. Existe solução para que a região volte a atrair empresas do setor, aponta especialista, para tanto, porém, é essencial que os municípios proponham políticas públicas agressivas.
Esta é a avaliação do economista e professor da Escola de Negócios da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Jefferson José da Conceição, responsável pelo levantamento dos dados que apontam a perda de 58,3% das grandes indústrias em quase três décadas, assim como o enxugamento dos postos nessas empresas em 48% – leia mais abaixo.
“O poder público pode fazer muito para as indústrias voltarem para cá. São necessárias políticas industriais agressivas e, principalmente, ativas”, afirma o professor. “É preciso planejar metas possíveis, de mão de obra e produção juntas, a curto, médio e longo prazos.”
Em Santo André, por exemplo, está em processo de finalização a Lei de Incentivos Fiscais, que visa beneficiar empresas que investirem na cidade e, de alguma forma, aumentarem a produção de receita. “(O incentivo) Pode ser isenção do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) por um determinado tempo ou de ISS (Imposto Sobre Serviços), no caso de construções. Tudo será analisado de acordo com o benefício que trará para o município”, explica Ailton Lima, secretário de Desenvolvimento Econômico da cidade.
Do mesmo modo, em São Bernardo, a Prefeitura afirma que foi encaminhado projeto de lei à Câmara com o objetivo de reduzir o percentual de IPTU cobrado às indústrias, estabelecimentos de comércio e serviços que gerarem postos de trabalho na cidade.
Em São Caetano, o secretário de Desenvolvimento Econômico Silvio Minciotti destaca que a cidade oferece “suporte nos campos administrativo, legal, social e tecnológico compatível com as necessidades das empresas, independentemente do tamanho ou setor de atuação.”
Para o professor, entretanto, é preciso ir além dos descontos nos impostos – o que já é feito em outras cidades há tempos. Conceição considera que esses incentivos são insuficientes para manutenção ou atração de indústrias para a região. “Antes de se instalarem aqui, elas (as indústrias) levam em conta, principalmente, a infraestrutura, que abrange desde qualidade das rodovias, logística e qualidade da comunicação (como se há cabeamento óptico).”
Ele aponta que um dos principais papéis das prefeituras e do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC é conectar atores para o desenvolvimento conjunto de tecnologia e inovação. “O Grande ABC possui ótimas instituições de ensinos Técnico e Superior, além de bons laboratórios públicos e particulares, que poderiam ser utilizados para suprir a necessidade da indústria, tanto de mão de obra quanto para pesquisas”, explica.
Assim sendo, além de mão de obra qualificada, as empresas poderiam superar obstáculos por meio de pesquisas de estudantes que, por sua vez, teriam a oportunidade de aprender na prática. “Não apenas as rotinas indústrias, mas também administrativas, de recursos humanos e engenharia”, enumera Conceição.
Parque tecnológico ainda engatinha
Nesta vertente, o Parque Tecnológico de Santo André e o polo tecnológico proposto pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e, em São Caetano, o Centro de Inovação Tecnológica, atenderiam a esta demanda, dado que possuem o objetivo de abrigar e fomentar incubadoras, centros de pesquisa e tecnologia. Porém, o professor da USCS Jefferson José da Conceição considera que estes projetos estão “engatinhando”. “Essas iniciativas são positivas, mas é preciso que elas estejam conectadas com outras políticas públicas para que se tornem mais eficazes.”
Para se ter ideia, o parque tecnológico andreense vem sendo discutido há duas décadas, e desde 2010 a proposta não sai do papel. No ano passado, o governo do Estado de São Paulo autorizou sua construção. Segundo o secretário de Desenvolvimento andreense, Ailton Lima, a cidade já possui o local e está captando investimentos junto aos governos federal e estadual para a reforma das instalações – prédio da indústria química Rhodia Têxtil, no bairro Bangu, adquirido sete anos atrás. A expectativa é que os recursos sejam conquistados até o fim do primeiro semestre e a reforma, até o fim do segundo.
O primeiro passo foi dado em julho do ano passado, quando o CMPU (Conselho Municipal de Políticas Urbanas) andreense aprovou a liberação de verba da ordem de R$ 5 milhões, proveniente do Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano. O intuito é colocar as incubadoras, as startups e o Poupatempo do Empreendedor no espaço, além de transferir a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e o CPETR (Centro Público de Emprego, Trabalho e Renda), que atualmente estão no Paço.
PESQUISA – Outro fator que empresários levam em conta antes de se instalar em determinado local, aponta Conceição, é o mapeamento da região. “Em outros lugares, como o Vale do Silício (Estados Unidos), há um banco de dados com informações de laboratórios e tecnologias disponíveis, quantidade de indústrias por quarteirão e segmento. Sem isso, fica difícil de saber como o Grande ABC funciona”, exemplifica, ao citar a necessidade de mapeamento e divulgação das informações positivas das sete cidades, como a mão de obra especializada. “Se um empresário interessado pesquisa a nossa região na internet, ele não vai encontrar nada disso.”
Procurados, o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC não responderam até o fechamento desta edição. Do mesmo modo, as demais prefeituras da região foram questionadas, mas não informaram quais são suas políticas para manutenção e atração de indústrias.
Volume de pequenas indústrias cresce 84% em quase três décadas
Desde o fim dos anos 1980, o Grande ABC vem passando por diversas transformações em sua economia. Embora hoje a região abrigue maior volume de indústrias do que quase três décadas atrás, passando de 4.166 para 6.164, alta de 42,2%, a propulsão ocorreu devido à propagação de empresas de menor porte.
As pequenas firmas (de um a 19 trabalhadores), que em 1989 somavam 2.596 estabelecimentos, em 2016 passaram a 4.784, incremento de 84,2%. Ao mesmo tempo, a presença das indústrias com mais de 500 trabalhadores caiu de 120 para 50 (58,3%) no mesmo período. O maior reflexo disso foi a drástica redução no número de empregos no segmento, que despencou quase que pela metade, dos 363.333 postos de trabalho em 1989 para 186.378 em 2017.
Segundo o professor da Escola de Negócios da USCS Jefferson José da Conceição, responsável pelo levantamento, um dos motivos que levaram ao processo foi a fragmentação da grande empresa em pequenas unidades, a terceirização de serviços e os novos processos produtivos que, devido ao avanço da tecnologia, exigem espaços menores.
Outra razão é a influência de diversas questões da economia nacional. De 1989 até 1999 houve abertura acelerada às importações (que substituiu mão de obra nacional), juros elevados, valorização cambial (com o real chegando ao mesmo valor do dólar por conta de política do governo FHC), incentivos fiscais em outras cidades do Interior do Estado e a própria descentralização produtiva da região – o que gerou debandada, ao mesmo tempo em que os terrenos no Grande ABC escasseavam e, os imóveis, encareciam. (Colaborou Yara Ferraz)