Denise Auricchio: gente como a gente

Como boa geminiana, Denise Reis Auricchio é inquieta e adora um desafio. Não se acomoda. Quando seu marido, José Auricchio Júnior, elegeu-se prefeito pela primeira vez, em 2004, viu-se diante de um dilema: permanecer atendendo em seu consultório de odontologia ou abraçar as atividades como primeira-dama. Denise não se acomodou. Abraçou a causa dos menos favorecidos, assumindo a presidência do Fundo Social de Solidariedade, fazendo uma verdadeira revolução no modo de atuar da entidade e virando exemplo para outros municípios e até Estados. O Fundo hoje oferece 34 cursos de capacitação profissional. Só na sede são 400 alunos – em média, se formam 1.000 pessoas por ano, contando as atividades internas e externas (Centros da Terceira Idade, Patrulheiros Mirins, Lar Menino Jesus, entre outros). Em entrevista exclusiva à Folha, Denise conta mais sobre esse e outros projetos, como o Elas por Elas e o Banco de Alimentos, e revela um pouco do seu perfil, festejado nos quatro cantos da cidade pela sua grande marca: a humildade e simplicidade.

Folha de São Caetano: Você sempre foi uma dentista renomada na cidade, assim como seu pai (Dr. Pádua Reis). De repente, seu marido (José Auricchio Júnior) se elege prefeito. Chegou algum momento em que considerou permanecer na sua atividade profissional e não se envolver na Administração? Denise Auricchio: Primeiramente, na época eu não conhecia a fundo o trabalho desenvolvido na área social da cidade. A princípio não queria me afastar totalmente do consultório, pois acreditava que daria para conciliar as duas coisas. Mas me entrego de coração a experiências novas e resolvi assumir o Fundo Social. Com o passar dos meses, tudo foi mudando e decidi focar as atenções só na entidade, sem deixar de lado o cuidado da minha família, algo imprescindível para mim.
Folha: O que foi decisivo para você tomar essa decisão? Denise: É tradição as primeiras-damas assumirem essa função, que muitos pensam ser remunerada e não é… É para quem tem amor ao próximo e muita disposição para se dedicar a quem mais precisa. Foi isso que me motivou a abraçar esse desafio. Mas eu queria desde o princípio fazer algo diferente, fazer mais pela população vulnerável.
Folha: Até sua gestão, o Fundo tinha um perfil totalmente diferente. O que lhe inspirou a mudar radicalmente isso? Denise: No começo, eu ia a encontros e reuniões em outras cidades da Grande São Paulo, promovidos pela então primeira-dama do Estado, Lu Alckmin. Em um desses, lá em Itapecerica da Serra, conheci o projeto das padarias artesanais e me encantei. Por que a gente não pode fazer isso em São Caetano? Me vi diante de um grande desafio e conversei com o prefeito, que achou boa a ideia. E as padarias viraram realidade para muitos que não tinham um horizonte profissional. Dos alunos, não foram poucos os que se transformaram em microempreendedores. Para mim não há recompensa maior: ajudar a mudar a vida das pessoas.

Folha: Você retornou o programa Elas por Elas, que existiu entre 2007 e 2010. Como funciona? Denise: O objetivo do Elas por Elas é levar informações a respeito do câncer de mama e, com isso, ampliar as chances de cura da doença. Primeiro eu faço uma palestra, que ensina e fala dos benefícios do autoexame. É exibido um vídeo de curta duração, com depoimentos de três mulheres. Depois, as participantes tiram dúvidas com a mastologista, Dra. Ana Claudia. A gente leva quatro assistentes e elas ficam com uma mama de silicone, chamada Mama Amiga. Todas as participantes tocam a mama e aprendem na prática como fazer o autoexame. Esse que é o segredo do projeto, porque ali mesmo a gente consegue dar orientação e a pessoa já sai com o exame marcado. Todo o tratamento é feito em São Caetano, inclusive com a reconstrução total da mama afetada pelo câncer, a pigmentação da auréola também. Folha: Por que decidiu pelo recomeço? Denise: Recentemente, eu estava em um evento no Bairro Prosperidade e me encontrei com uma moradora, chamada Dona Terezinha. Ela disse ter sido curada de um câncer de mama devido à prevenção que aprendeu na primeira fase do Elas por Elas. Pensei então em retomar e atacar um problema que vinha percebendo: muitas mulheres da terceira idade acham que não vão desenvolver a doença. Além disso, persistem algumas concepções erradas, como a de que o autoexame dói.
Folha: Existe a possibilidade de o Elas por Elas se tornar um programa permanente? Denise: Em princípio, ele vai até dezembro, pois estamos fazendo acompanhamento caso a caso, com assistência e um acolhimento maior. Hoje, 35% marcam os exames e não aparecem. Isso eu estou focando muito nas palestras e no pós-palestras. Fazemos um trabalho ativo, chegando a ligar e visitar quem não foi.
Folha: Você é uma pessoa muito querida na cidade. Acha que o fato de ser a comandante do Elas por Elas ajuda a atrair mais pessoas, a elas se sentirem mais à vontade para tratar de um tema muito sério como o câncer de mama? Denise: As pessoas se sentem muito à vontade em se expor. O que eu acho interessante é a participação dos maridos e companheiros, que também não se intimidam diante do tema. Se você pega um caso já justifica. É uma vida, uma chance que ela tem de começar o tratamento. Às vezes, a mulher acaba ficando presa em casa por diversas atividades, ela tem tantas preocupações, principalmente quando é mãe ou avó. Ela cuida da família, mas, às vezes, deixa passar um nódulo que ela possa ter sentido e não vai ao médico. Perde a oportunidade de se tratar logo no início, onde a gente tem chance de cura de quase 95%. A gente não pode perder esse momento.
Folha: Como está o funcionamento do Fundo hoje? Faça um balanço das atividades nessas suas três gestões à frente da entidade. Denise: O Fundo Social tem duas vertentes. Uma é a capacitação para geração de renda – a gente tem alguns cursos para melhorar a qualidade de vida das pessoas. E a outra é dar suporte social para as entidades da cidade e famílias que nos procuram. A gente trabalha com doação de cestas básicas, fraldas, leite em pó, enxovais, tudo o que precisam. A vertente dos cursos só cresce. Hoje são 34, que vão do corte e costura, artesanato, gastronomia até construção civil, bar tender, intervenção urbana, garçom, entre outros. Formamos mais de 1 mil pessoas por ano.
Folha: E na questão do suporte às entidades? Denise: Hoje em dia o Fundo Social atende 50 entidades, entre igrejas e assistenciais. A gente quer tentar ampliar. Percebemos que poderia trabalhar de uma forma mais organizada. Teve uma empresa de São Caetano que começou a fazer doação de bolachas para nós. Chegou uma carreta, tive de chamar o Tiro de Guerra para nos ajudar, porque a gente não tinha estrutura. Então, achamos melhor montar, de forma organizada, as doações. Falei para o prefeito que a gente precisava ter um Banco de Alimentos ligado ao Fundo Social. Porque aí a gente conseguiria fazer parcerias para receber essas doações, organizar tudo e, depois, mapearíamos as entidades para repassar essas doações. Mas para isso a gente precisa de uma estrutura, um espaço próprio, funcionários. Estamos desenhando esse projeto, formatando a lei. A ideia é que a gente aproveite todo esse desperdício que acontece em supermercados e atenda quem precisa. O Banco funcionará no Bairro Barcelona, na Rua Narazeth.
Folha: Ser primeira-dama não deve ser uma tarefa fácil. O Auricchio evidentemente sofre críticas da oposição, e ninguém é capaz de agradar a todos. Denise: Na vida pública, a gente tem de estar preparado para tudo. Principalmente com o aumento da importância das redes sociais, a exposição, que já era grande, ficou gigante. Muitas vezes, a pessoa nem conhece, não tem noção ou informação sobre determinado assunto, e só de ler um comentário já sai fuzilando. As pessoas têm de ter entendimento, embasamento, para emitir sua opinião. Vivemos uma época de muita divisão, uma divisão raivosa até, em que ter opinião diferente virou crime. É o nós contra eles. Acho isso muito nocivo. Sem falar nas fake news…
Folha: Discutem política em casa? Denise: Não. Porque o trabalho o Fundo, as visitas, eventos e compromissos oficiais tomam muito do meu tempo. Pois, mesmo estando à frente da entidade, jamais descuidei de meus afazeres em casa, dos meus filhos, do meu marido, dos meus pais. Tudo com equilíbrio.
Folha: Como você vê o aumento do feminicídio no País? Denise: (com os olhos marejados) Chocante. Não consigo entender esse ódio. Como um antigo amor possa se transformar numa tragédia que leva à morte. É necessário que se façam campanhas, estudos, pra saber de onde vem isso.
Folha: Mais de 13 milhões de pessoas estão desempregadas hoje no Brasil. Qual sua visão sobre esse triste cenário? Denise: Medo. A economia não está melhorando. O complicador para mim é que vejo desesperança no olhar das pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Sinto isso diariamente, em meu contato com famílias que estão passando por isso, muitas vezes há anos. São pais e mães que talvez não tenham mais chance de retornar ao mercado. É um drama nacional.
Folha: Quando o Thiago comunicou seu desejo de ser candidato a deputado estadual, qual foi seu sentimento como mãe? Denise: A princípio, meu desejo era que ele seguisse a carreira no ramo jurídico, já que havia se formado e passado no exame da OAB. Tinha planos inclusive de fazer mestrado. Mas como mãe, não podia deixar de apoiá-lo. Era um desejo seu servir o povo como deputado, já que há muitos anos não elegíamos um representante da cidade na Assembleia. O Thiago conviveu com a política desde muito cedo. Tem vocação, não dá para negar isso. Quando manifestou interesse, eu jamais iria contra. Lá em casa existem dois políticos apenas: meu marido, o prefeito Auricchio, e meu filho, o hoje deputado estadual Thiago.

Nome: Denise Reis Auricchio
Um filme: Bohemian Rhapsody
Atriz: Jane Fonda
Ator: Antonio Fagundes
Livro: O Rouxinol, de Baker Kline
Fè: Sou devota de Nossa Senhora Desatadora dos Nós
Um ídolo: Meu pai (Dr. Pádua Reis)
Uma mensagem para a população: As pessoas têm de cuidar melhor do espaço público, porque ele é de todos nós. Também acho importante que cada um olhe dentro de si e se respeite mais, com mais amor e muita luz

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