Humanização é a palavra de ordem na Delegacia Sede de São Caetano do Sul

No coração de São Caetano do Sul, a avenida Goiás, o cinza escuro escuro e sombrio da fachada da Delegacia Sede começa a ganhar tom pastel claro acizentado e contornos em vermelho nas janelas. O letreiro, ainda passará por mudanças, vai ser adequado ao novo padrão de identidade visual proposto pelo Governo do Estado. Da área externa para a interna mudanças são nítidas. Logo na entrada da recepção, o luminoso ao lado das portas de vidro chama a atenção. No limpo e organizado balcão de atendimento, um sonoro bom dia. Naquele momento, jovens investigadores, um “tira das “antigas” e uma policial da nova equipe. Apresentações devidas para a agendada entrevista, o jornalista desta FOLHA foi convidado a aguardar, afinal uma ocorrência acabara de entrar. Na sala de espera é possível observar o piso limpo. Uma dedicada profissional se mostra atenta a todo e qualquer grão que possa comprometer a limpeza do local.
Das cadeiras reservadas às vítimas dos mais diversos crimes observa-se três jovens moças, elas registram BO (Boletim de Ocorrência) por roubo. Apesar da adversa situação, os dois investigadores que realizam o primeiro atendimento se mostram sorridentes e educados, algo que ajuda a tranquilizar quem fora ultrajado pouco tempo antes. A movimentação na Sede não para. Viaturas da Polícia Militar chegam com mais ocorrências e outras pessoas buscam auxílio da Polícia Civil. Tudo normal na rotina da Delegacia. Os olhos e ouvidos do jornalista se voltam para uma policial em específico. Sempre educada com todos e atenta a tudo em sua volta ela ouve vítimas e distribuí atribuições aos policiais. Em dado momento voltase ao repórter, se desculpa pela demora e pede mais alguns minutos. Pouco tempo retorna, convida a FOLHA para sua sala no primeiro andar da Delegacia Sede. Dra. Luciara de Cássia da Costa Campos, delegada titular e chefe da Polícia Civil em São Caetano do Sul, abre espaço para a entrevista. Em sua mesa, além de computador e uma grande quantidade de inquéritos, muitos itens de decoração. Em um armário ao lado, muitas corujinhas. Na parede, ao fundo da mesa o banner com a nova identidade visual da Polícia Civil. Bate-papo iniciado e a delegada conta ter 28 anos de carreira. Iniciou a trajetória como auxiliar de papiloscopista, função que exerceu por seis anos até se tornar delegada. Na nova atribuição atuou por anos no 47° DP (Distrito Policial), região de Santo Amaro, na Capital Paulista. Na abrangência da delegacia, áreas de alto índice criminal como Jardim Miriam e Capão Redondo. “Locais com corriqueiros crimes contra mulheres como agressões e estupros, além de homicídios por vinganças, por exemplo”, diz Dra. Luciara. Sua primeira experiência no ABC aconteceu na Dise (Delegacia de Investigação Sobre Entorpecentes) da Seccional de São Bernardo do Campo, em fevereiro de 2019. Por lá ficou dez meses. Sobre o que sentiu em desembarcar por estas terras crava: “um choque”. Com características criminais diferentes tinha concebido “outra visão” sobre a especializada: “acreditava ter uma melhor estrutura de trabalho, mas era muito semelhante a que tinha em Santo Amaro”. Em São Caetano do Sul, desde outubro, Dra. Luciara monta sua equipe diante de um padrão de serviço, considerado como acertivo e de bom grau de eficiência. Indagada sobre as modalidades criminais mais comuns na cidade, além dos já conhecidos roubos e furtos de veículos, destaca: “focamos ações no combate ao chamado delivery do tráfico (ao destacar a inexistência de “biqueiras”) e nos roubos a farmácias e outros comércios”. O bom relacionamento com outras forças de segurança, como a Polícia Militar e Guarda Civil Municipal, contribuí na melhora dos indicadores criminais. Apesar dos índices seguirem uma linha de queda, a delegada destaca ter muito trabalho pela frente, ao admitir ser uma utopia o crime zero. As características da cidade também ajudam no trabalho policial. “São Caetano tem uma área pequena, ruas largas e bem iluminadas e bom monitoramento por câmeras no setor público e privado”, discorre a delegada. No começo desta reportagem informações sobre mudanças significativas na estrutura da Delegacia Sede foram abordadas. Estas percepções, claro, também foram pautadas. Perguntada se a meta era a humanização de bate e ponto a Dra. Luciara afirma: “esta é a meta. Manter um ambiente leve, receptivo para mudar paradigmas. É possível fazer com as vítimas sejam acolhidas. Essa humanização no atendimento ajuda no trabalho investigativo, isso porque, mais detalhes sobre a ocorrência são passados”. Outro ponto que chamou a atenção está ligado à participação feminina na equipe chefiada pela delegada Luicara. Há um grande número de delegadas plantonistas, investigadoras, escrivãs e agentes. “Mulheres são muito observadoras, têm mais empatia e uma humanização mais apurada do que a dos homens. Além disso, essa convivência com o público masculino fez a equipe feminina desenvolver outras habilidades”. Apesar da boa estrutura, Dra. Luciara destaca que para o trabalho melhorar ainda mais é preciso o Estado de São Paulo “investir mais em treinamentos, contratar novos policiais, comprar novos equipamentos e aplicar recursos em tecnologia de alta complexidade”. Resultados Com uma equipe de 42 profissionais, entre eles cinco delegados, os números da atividade policial tem crescido mês a mês. Em outubro de 2019, quando a equipe liderada pela Dra. Luciara assumiu a Delegacia Sede, apenas um procurado pela Justiça foi caputrado pela Polícia Civil nas ruas de São Caetano do Sul. Nenhum flagrante foi realizado. Já no mês seguite, novembro, os números começaram a mudar. Duas pessoas procuradas foram detidas, não houve flagrante. Em dezembro, o trabalho da Polícia Civil resultou na captura de quatro procurados e um flagrante. No primeiro mês de 2020, 14 procurados foram entregues à Justiça e um flagrante registrado. Em fevereiro os flagrantes saltaram para três e as capturas atingiram o patamar de 14 pessoas. Mudanças Encerrada a entrevista na sala da titular, o repórter da FOLHA foi apresentado ao chefe dos investigadores e convidado para conhecer as instalações da Delegacia Sede. Todas as salas ganharam nova pintura e iluminação mais eficiente. Nos banheiros de uso público, louças sanitárias limpas e torneiras e descargas em perfeito funcionando. Até papeleiro foi instalado, algo que para muitos parece simples, mas vai ao encontro da metodologia de trabalho adotada de humanização. Em área restrita, a carceragem, antes escura e fétida, ganha pintura clara, um cinza de tom leve, nova iluminação deixa o ambiente claro. A limpeza das celas e sanitários passa a ser rotina, muita água e sabão, além de um perfumado desinfetante. Em uma área de segurança reforçada atrás da carceragem primária e ao lado da desativada Cadeia Pública, outro pavilhão com celas. Em uma delas, três criminosos aguardam julgamento para que sejam transferidos de fato para o Sistema Prisional. Entre os detidos, alguns “famosos”, dois envolvidos no caso da morte e carbonização da família Gonçalves, em São Bernardo do Campos. Indagados sobre as condições de tratamento, os criminosos, entre um misto de susto e descontração com risos, respondem: “somos bem tratados, mas seria melhor estar fora daqui”. Dra. Luciara, que neste momento era acompanhada pelo chefe dos investigadores, foi perguntada também sobre o tratamento dado aos presos. Ela reponde sem titubear. “Independentemente do crime cometido devo cumprir o que rege a Lei. Manter a dignidade destas pessoas ajuda manter a ordem”. Como no jornalismo, a curiosidade está enraizada, o repórter aproveita e pergunta para delegada se as tais audiências de custódia invertem os valores e obrigam a Polícia a enxugar gelo. Ela responde de forma enfática: “as audiências ajudam manter a Lei. Saber se todos os procedimentos foram aplicados dentro dos manuais, com isso, a lisura do trabalho é comprovada o que fortalece, por exemplo, o processo criminal”.

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