Diferentes setores da economia brasileira seguem afetados pela pandemia do novo coronavírus. Destes, um em especial concentra incerto e drástico cenário. Invisível a certa parcela da população e alvo do escárnio de determinados gestores públicos, a cultura também regurgita as imediatas consequências do vírus devastador. Dentre as primeiras medidas na tentativa de aplacar o avanço da infecção, Estados e municípios determinaram o fechamento de prédios voltados à fruição da arte. Sejam públicos ou privados, equipamentos como teatros, museus, cinemas e casas de show cerraram as portas. Concertos musicais, espetáculos, peças, entre outras apresentações artísticas, foram prontamente cancelados ou tiveram datas adiadas. Um fato é certo. O “pum do palhaço”, definição infantiloide proferida pela secretaria especial de cultura, Regina Duarte (ainda não dá para deixar de rir ao citar o nome desta criatura), é responsável por colocar comida na mesa de muitos brasileiros. Sem cultura, falamos de bufunfa, cifras e dinheiro deixando de circular pelo País. PEÇO URGÊNCIA DE UMA PAUSA REFLEXIVA Se você imagina a atual crise batendo nos costados de um magnata do nível de um Roberto Carlos, errou. Na na ni na não. Todavia, continuamos citando medalhões. Quando um sujeito como o Wesley Safadão fica noiado com o momento e cancela apresentações, toda uma equipe deixa de levar o pão para casa. São eletricistas, técnicos de palco, roadies (turma que pega pesado na condução do show), seguranças, motoristas, turma de figurino, luz, som… Toda uma rede de trabalhadores fica no prejuízo e passa a cortar um velho dobrado. É um exemplo expressivo. Nem contabilizamos aqueles que dependem do apurado imediato, caso de quem vive da lona do circo. Desde que governadores, com o apoio do ministro da Saúde, decretaram a quarentena em todo Estado de São Paulo e no Brasil, acompanhamos o avanço corrosivo do vírus na economia cultural. Produtores, atrizes, pesquisadores, entre outros profissionais, relataram o mais puro sentimento de medo. Todas as entrevistas, sem exceção, entregaram vozes comprometidas em unir forças pelo bem comum. “Se é para fechar as portas, fechamos”, assuntei. Ouvi e apreciei cada relato… Percebi um certo nó na garganta. A preocupação mais urgente iluminava itens de primeira necessidade. Em meio aos cancelamentos, qual a saída para manter as contas em dia? É comer, pagar aluguel, cuidar dos filhos. Como todo operário, artistas e toda a cadeia que orbita a arte carecem de dignidade. Na mesma intensidade vi articulações pontuais, caso do MCTA 44 anos de estrada, fundado em 1976, que ensaiava sua volta nas praças e no bosque do bairro São José com a tradicional Via Crucis – A paixão na Semana Santa em Sanca. Por sua vez, a Cia Canta Circo & Teatro soma um prejuízo que ultrapassa a casa dos R$ 60 mil reais em virtude do cancelamento de diversas apresentações agendadas nas cidades do Grande ABC e interior, além da Capital. João Rocha, músico e ator, desolado, disse que não sabe o que fazer para pagar as contas. “O prejuízo somado ultrapassa os 70 mil reais”, afirma ele, preocupado além dos atores, com técnicos, produtores, cenógrafos, diretores e todas as famílias que foram afetadas com a paralisação desses trabalhos, além dos espaços culturais que vendem alimentação, ingressos, cafeterias, bilheteiros, estacionamentos etc….toda a rede ligada à arte. “No momento estamos sendo ajudados por amigos e parceiros de trabalho que apoiam nossos trabalhos online”, finaliza. Quem quiser ajudar basta acessar: cantacircoteatro@gmail.com
Já Chico Cabrera, da Cia Pic e Nic, fundada em 1992, com 28 anos de estrada e diversos espetáculos premiados na coleção, entre eles “Avoar” e “Panos e Lendas”, disse que a crise afeta a cultura no geral. “Estamos parados sem poder fazer nossas apresentações marcadas por meses”, diz ele, afirmando ainda que vai ser difícil seguir a vida normal de artista. “Vai demorar pra a cultura se restabelecer”, afirma. Não existe hoje diálogo e coletividade. Sim, diante da crise, é possível levar cultura para a população. Seja quem tem o privilégio da quarentena ou não. “O coronavírus chegou e escancarou a realidade: nós, artistas, trabalhadores informais, estamos completamente desamparados”, dividiu Carlinhos Lira, fundador do MCTA, o mais antigo da região. CENÁRIO BEM MAIS HORRIPILANTE De posse da provocação guiada pelo ator, algumas constatações teimam em incomodar. É viável para o artista prosseguir diante de uma sociedade que o trata como um pária? Historicamente, a cultura brasileira sempre respirou por aparelhos. Foi continuamente tratada e esquecida numa maca de corredor fria e com manchas de sangue nas paredes. É possível angariar algum tipo de saldo positivo nesta calamidade? Difícil precisar. As nefastas consequências ainda são pouco perceptíveis. De certo, até agora, o coronavírus enfiou na goela de boçais detratores a relevância da cultura enquanto mercado, trabalho e indústria. São trabalhadores comprometidos com a educação. Partilham o conhecimento. Filmes, shows, peças, poesias, exposições e quaisquer outras expressões artísticas são ferramentas para existências menos cretinas. O coronavírus vai passar. A arte, mais uma vez, vai sobreviver. Mas, a qual preço?