Era 1976. Um curso de teatro ministrado na cidade pelo dramaturgo Edvaldo Gonçalves, nas dependências do Lar Menino Jesus. Entre os participantes, José Carlos Lira, o já popular Lira, um garoto criado em um cortiço da Vila São José, que logo cedo conheceu os percalços da vida na periferia. Já naquela época Lira era uma figura polêmica. De imediato, apaixonou-se por Nelson Rodrigues, pelo teatro marginal e popular. Tudo isso na época mais dura da Ditadura Militar. Mas Lira não é do tipo de ter medo: sempre inquieto, fundou na cara e na coragem o MCTA (Movimento Cultural Teatral e de Artes) em 27 de junho do mesmo ano. Era uma época em que os palcos eram repletos de textos clássicos politicamente corretos, com atores famosos. Já no MCTA os textos eram de Lira, retratando a vida como ela é. Atores? Ele convidava anônimos e os formava. O MCTA acabou virando um projeto social. Em seus quase 45 anos, passaram pelo grupo cerca de 400 pessoas. Muitas seguiram na arte e até hoje fazem sucesso; outros encontraram um rumo que talvez nunca tivessem tomado na vida. Inovação era palavra de ordem. Conseguiu um caminhão e encenou um texto na caçamba, no Bosque do Povo – que viria anos depois a se transformar a sede do grupo (tirada posteriormente, porque a polêmica nem sempre agrada quem tem o poder). Lira conquistou respeito de toda a população, mormente dos jovens, a despeito de seus temas serem controversos, pois retratam cenas que ninguém quer abordar ou discutir. Carlinhos Lira ao longo desses anos de atividades realizou 52 peças teatrais e escreveu quatro livros com textos teatrais: Garotos de Aluguel, Ataliba Meu Amor, Wilsinho Galiléia (especial da Rede Globo que não foi ao ar por problemas com a Censura Federal) e Quatro Estações de Uma Juventude. Genuinamente regional e levando para o palco e para as praças a cultura do Brasil, o grupo é o único no Brasil com mais de quatro de décadas de existência. “Poucos grupos de teatro no mundo conseguem completar 45 anos. Principalmente num país onde a descontinuidade faz parte de sua cultura”, ressalta Lira. E olha que passaram pela maioria dos festivais de teatro do Brasil – Ponta Grossa (PR); Guaçui (ES); Festival Nacional de Campina Grande (Paraíba); Janeiro de Grandes Espetáculos (PE); Festival de Inverno da Bahia – Festival Nacional de Vitória da Conquista; Festival Nacional de Souza (PB); Festival Nacional de Areia (PB); Feira de Santana (BA); Fenart (João Pessoa); Teatro Dulcina (RJ); Festival Nacional de Congonhas (MG); Festival Nacional de Americana (SP); Tatuí, Salto, São José dos Campos, Santo André, São Bernardo do Campo, Taboão da Serra, Pindamonhangaba, Penápolis, Bragança Paulista, Atibaia, Paraguaçu Paulista, Santa Bárbara do Oeste entre outros. Com uma chuva de prêmios, assim como também no exterior. Uma das últimas encenações do MCTA foi a Via Crucis – A Paixão do Povo, na Praça da Riqueza, Bairro Prosperidade. Mas por conta de uma história até hoje muito mal contada, o grupo teve sua subvenção cortada na gestão de Paulo Pinheiro, o que afetou duramente seu trabalho.
CENSURA
Lira e o MCTA não passaram incólumes à censura. O dramaturgo diretor e ator foi chamado a dar explicações no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) diversas vezes, pois suas peças eram consideradas inadequadas pelo Regime. Mas havia um grande aliado de Lira àquela época: o hoje secretário da Sesurb e então policial Iliomar Darronqui. “Sempre que ele sabia que estavam preparando uma operação contra o MCTA, ele ligava e avisava. A gente desmontava tudo e se escondia. E ainda tinha o problema que todo espetáculo era para maiores de 18 anos. O Juizado de Menores caía em cima”, lembra. Mesmo assim, o MCTA, graças à censura, não pode encenar nada por 12 anos
FUTURO
Atualmente empenhado em sua candidato a vereador – “quero lutar pela cultura” -, Lira diz que uma história de
quase 45 anos não pode morrer. E foi com esta ideia que foi buscar a exclusividade de um texto sobre Alzheimer em Portugal, depois de ter lido o livro que deu origem à peça. “É um texto belíssimo, profundo, complexo. E nunca ninguém montou algo deste gênero no Brasil”, garante o dramaturgo, que está adaptando o texto. Mais planos estão na cabeça do sempre inquieto e criativo Carlinhos Lira. Depois da peça sobre Alzheimer, ele quer remontar um de seus maiores sucessos: Cante Para eu Dormir, baseado no texto original de Álvaro Fernandes, dirigido por Roberto Gill Camargo, premiado em diversos festivais do Brasil e algumas turnês pela Europa. “O teatro é a terapia da alma e, por isso, não posso deixar a história morrer. Com o apoio de amigos e empresas da região vamos conseguir fazer esta celebração do grupo”, diz Lira. Foi ele, junto aos parceiros, que lutou duro durante as últimas 4 décadas para que o grupo, que nasceu após curso de teatro, construísse essa trajetória. “Não tem muito o que comemorar. Está mais difícil fazer teatro no Brasil de uns anos para cá se for ver, como os desmandos na esfera federal afetam a arte. Não sei como conseguimos sobreviver até hoje”, analisa.