Em 1979, o jornalista Carlos Alberto Luppi publicou uma página inteira na Folha de S.Paulo sobre o dramaturgo, diretor, ator e jornalista de São Caetano Carlinhos Lira. Pela sua versatilidade cultural única e extraordinária, que serviu para transformá-lo numa figura controversa, Luppi comparou Lira ao cineasta, dramaturgo e escritor italiano Pier Paolo Pasolini. Tanto que o título chamava Lira de ‘Pasolini do ABC’. Em 2024, Lira está completando 50 anos de cultura, mas não está em festa. Preocupado com o momento insipiente da área no município, ele defende a fundação de um movimento de ‘teatro novo’ em São Caetano.
Lira é fundador e sempre foi ‘o cabeça‘ do MCTA, grupo de teatro histórico de São Caetano, referência na região, no País e até em alguns países do exterior. Em 48 anos de história (a serem completados em 27/6), o MCTA (Movimento Cultural Teatral e de Artes) foi fundado na cara e na coragem por Lira, em plena ditadura – e não foram poucos os textos censurados e os entreveros com os militares.
E não para contar os clássicos, mas textos do próprio Lira, com atores muitas vezes recrutados nas ruas e também os oriundos de um curso de teatro ministrado na cidade nas dependências do então Lar Menino Jesus.
Garoto criado em um cortiço da Vila São José, que logo cedo conheceu os percalços da vida na periferia, Lira já naquela época era uma figura polêmica. De imediato, apaixonou-se por Nelson Rodrigues, pelo teatro marginal e popular. E o aplicou no MCTA, nos seus textos, ainda hoje encenados, mesmo com o grupo temporariamente paralisado, devido ao estado de saúde de Lira.
Ao longo de sua história, o MCTA até hoje colecionou mais de 160 prêmios em festivais, representando São Caetano e o Estado. Se apresentou no então Banespa, em pleno funcionamento, na Rua Rio Grande do Sul; nas escadarias da Igreja Sagrada Família e do antigo Supermercado Jumbo, na Estação; na carroceria em cima de um caminhão no Bosque do Povo…
E nos principais festivais em diversos Estados, como na Bahia (Feira de Santana, Juquié, Vitória da Conquista), Espírito Santo, Paraná, Paraíba, Norte e Nordeste todo, Minas Gerais.
Na região, lotaram o Municipal e fizeram três sessões num dia só no Cine-Teatro Carlos Gomes. Passaram por Diadema e São Bernardo. E esticaram até Portugal, onde se apresentaram no Porto e em mais três cidades da região norte por 5 anos seguidos. Em São Caetano, encenaram peças na maioria das escolas, passaram por universidades do Estado. Onde havia um palco, sempre estava o MCTA para se apresentar.
E criaram seus próprios palcos também. Foi histórica a encenação, para mais de 6 mil pessoas, da Paixão de Cristo, acompanhados da Orquestra Filarmônica, no Espaço Verde Chico Mendes – antes, foram 6 anos seguidos de apresentação na Praça da Riqueza, na Vila Prosperidade.
Entre seus maiores sucessos estão ‘Garotos de Aluguel’, ‘Hello Boy’, ‘Em Nome do Desejo’, ‘Cante para eu Dormir’, ‘Foi Boto, Sinhá’, ‘Os Meninos do Brasil’, entre outros.
Teve sede no Bosque do Povo. Mas, a pedido do vereador Edison Parra, o espaço foi cedido para os escoteiros. “Sempre dividimos bem o espaço, mas o poder quis assim”, lamenta Lira, que sonha com a construção de uma sede própria para o MCTA.
Lira sempre foi um descobridor de novos talentos. O mais famoso deles, Fernando Ramos, que fez o Pixote no filme homônimo – Lira atuou ativamente nos bastidores da obra de Hector Babenco na preparação de elenco. Antes de estrear no cinema, foi com o MCTA que Ramos experimentou a atuação, em ‘Inútil Pranto de Cara Suja’ e ‘Ataliba Meu Amor’. Lira ajudou ainda a criar a Cia. Heliópolis, que está completando 21 anos.
‘TEATRO NOVO’
É triste para a cidade reabrir o Paulo Machado de Carvalho com um show musical de um artista de fora, com todo respeito a Seu Jorge. Era a ocasião para um festival de teatro só com grupos da cidade, encerrando com um texto inédito com atores de todas as companhias. Mas não há produção para isso”, diz Lira.




Por isso, ele defende a criação de um movimento que chama de ‘teatro novo’, que mescle a nova geração com os medalhões do teatro da cidade, para remontagens e novas produções com uma estética diferenciada, peculiar. “As novas gerações precisam conhecer um pouco de uma época que foi vibrante no teatro de São Caetano, onde se respirava teatro, se consumia muito teatro”, defende.
Para isso, já está empenhado em conversas com diversas pessoas, articulando esse movimento. “Estou me recuperando e querendo voltar, mas falta apoio. O poder público precisa estar ao nosso lado, porque é assim que as coisas funcionam no Brasil, infelizmente. Sem o apoio público, nada decola. Procuro gente que queira fazer teatro de verdade, porque teatro é a terapia da alma”, encerra.










