Tinha tudo para dar errado na vida de Jean-Michel Basquiat. Filho de haitiano e com família materna descendente de porto-riquenhos, o artista plástico negro de Nova York saiu das ruas, do grafite, alcançou as galerias de arte e se projetou para o mundo. E viu isso tudo acontecer, ainda que por um breve momento, diferentemente de nomes como o holandês Vincent van Gogh (1853-1890), que morreu na pobreza e praticamente desconhecido.<EM>
Basquiat (1960-1988) sofreu violência doméstica por parte do pai e viveu apenas 27 anos (morreu após overdose). Mas deixou seu nome gravado no universo das artes plásticas para sempre. Nada de tintas caras, tampouco material refinado para criar suas peças. Papel comum, colagens e cópias reprográficas já lhe serviam. Boa parte de seu rico legado pode ser apreciada em São Paulo na mostra Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi, que toma conta do Centro Cultural Banco do Brasil, a partir do dia 25, e segue em cartaz até 7 de abril.
Nas obras, cores, sentimentos e a representatividade da negritude, além das vicissitudes e traumas vividos pelos negros nos Estados Unidos, se mesclam ao que havia de melhor e também de decadente na Nova York dos anos 1970 e 1980. O público poderá ver aproximadamente 80 peças – parte do acervo da família Mugrabi –, entre quadros, desenhos, gravuras e pratos pintados.
Segundo o holandês radicado no Brasil Pieter Tjabbes, curador da exposição, as obras em poder dos Mugrabi estão entre as mais disputadas do mundo. Segundo ele, essas peças “conseguem transmitir o que há de essencial e mais poderoso na carreira do artista. Vale destacar que essas mesmas obras estavam sendo disputadas por museus da Coreia do Sul, do Japão e da Rússia”.
A exposição apresentará obras reveladoras de períodos significativos da produção do pintor. Tjabbes diz que, do início da carreira, “destacam-se os desenhos do artista pouco valorizados na época, que mostram um Basquiat mais transparente e independente”. Do início dos anos 1980, seu período mais produtivo, o público poderá apreciar quadros como Hand Anatomy (Anatomia da Mão, 1982), Old Cars (Carros Velhos, 1981), Rusting Red Car (Carro Vermelho Enferrujado, 1984) e Loin (Lombo, 1982). Além disso, vale destacar quatro obras produzidas por Basquiat ao lado de Andy Warhol (1928-1987) – importante artista do cenário pop art: Heart Attack, 1984; Thin Lips, 1984/85; Eggs, 1985 e Untitled (Two Dogs), 1984.
Apesar de seu pouco tempo de vida, Basquiat realizou produção intensa e significativa. Para Tjabbes, causada, de certa forma, “por suas ideias incessantes, mas, sobretudo, pelo momento culturalmente rico em que ele viveu em Nova York. Soma-se a isso seu enorme sucesso comercial, já que tudo o que produzia era vendido, e muito bem.”
Basquiat teve papel de porta-voz das minorias. Conseguiu dialogar muito bem tanto com o universo das galerias quanto com a mídia. E, para Tjabbes, o artista conseguiu fazer isso sem abrir mão do seu estilo, de sua essência e obteve, ao mesmo tempo, um enorme sucesso comercial. Vale ressaltar que suas obras ganharam cada vez mais valor ao longo dos anos, tanto que um de seus quadros foi vendido em leilão realizado em 2017, em Nova York, pelo valor de US$ 110 milhões. Seu recorde havia sido no ano anterior, quando uma peça foi angariada por US$ 57 milhões.
O curador ressalta que Basquiat foi mais do que um simples artista. Ele foi politizado. Tjabbes acredita que muitos dos temas que levantou na época estão presentes nos principais debates políticos de hoje. “Inclusive no Brasil, como a discriminação contra minorias, o respeito às diferenças raciais e de gênero, temas que estão todos lá, em sua obra”, explica. “Não podemos esquecer que se trata de um artista de pele negra, de origem caribenha, que, embora criado em ambiente de classe média, sofreu série de preconceitos raciais presentes na sociedade norte-americana daquele tempo.”
Jean-Michel Basquiat – Obras da Coleção Mugrabi – Exposição. No Centro Cultural Banco do Brasil – Rua Álvares Penteado, 112. São Paulo. Do dia 25 de janeiro a 7 de abril. De quarta a segunda, das 9h às 21h. A entrada é gratuita e indicada para todas as idades. Tel.: 3113-3651.